Um segredo sobre o cursinho pré-vestibular
1 de junho de 2019
Muitos alunos não buscam só a aprovação, mas também a resolução de um grande conflito
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Eu fui psicóloga em um cursinho pré-vestibular com cerca de dois mil alunos.
Em geral, os adolescentes vão para o cursinho quando terminam o Ensino Médio e não passam no vestibular. E muita gente acredita que o objetivo de todos eles é estudar mais um pouquinho para passar no próximo semestre ou no próximo ano.
Mas o que pouca gente sabe é que, na verdade, muitos adolescentes estão no cursinho simplesmente porque NÃO SABEM o que querem fazer de suas vidas.
Sem contar que também tem adultos no cursinho, pessoas que já se formaram, já trabalharam, e ainda não se encontraram – ou seja, mais gente que não sabe o que quer realmente fazer ou que pensa que se enganou e deseja repensar as escolhas.
Um exemplo disso é um advogado que conheci, na época matriculado no cursinho sem contar para sua esposa, para seus filhos ou para seus pais - pois tinha vergonha de admitir que, apesar de bem-sucedido, não era feliz. Assim, ele se despedia da mulher todos os dias dizendo que ia para o escritório de advocacia do qual era dono para, ao invés disso, assistir aulas de Física de camisa social e gravata.
Esse aluno-advogado-já-adulto veio buscar atendimento para saber se ele devia contar à família sobre a sua situação. A única coisa que ele precisou ouvir foi a pergunta: "Você tem conseguido aproveitar as aulas?". Bastou isso para que ele abaixasse a cabeça ali mesmo e dissesse:
"Voltei a me sentir adolescente. Como quando fui fazer Direito porque era o que os outros queriam que eu fizesse. Nessa altura da minha vida eu resolvi contornar a infelicidade profissional que eu estava sentindo, mas admitir para a minha família tem que fazer parte disso. Eu não consegui enfrentar meus pais naquela época e até hoje estava tentando evitar fazer isso. Mas se eu não fizer, vou ficar aqui só angustiado, pensando que eu vim escondido".
O fato é que tem muita gente fazendo provas (às vezes, há vários anos) sem saber pra quê está fazendo provas. E, por causa disso, um dos trabalhos que minha parceira de profissão e trabalho e eu realizávamos no cursinho eram os grupos de Orientação Profissional, em que ajudávamos os estudantes que estavam com mais dificuldades a fazer uma escolha de carreira.
De início, chamava a atenção o fato de que eles faziam vestibulares e mais vestibulares sem qualquer confiança de qual curso desejariam cursar e, em geral, até mudavam a opção de curso de prova em prova. Mas, finalmente, depois de um tempo, fui descobrindo o outro lado da moeda.
Com o andamento dos grupos, alguns alunos começavam a confidenciar: “Sabe o que é... Na verdade, eu sei o que eu gostaria de fazer, mas minha família não aceitaria por nada nesse mundo”, ou então: “Eu quero fazer um curso tão desvalorizado, que tô tentando gostar desses cursos mais famosos”, e até: “Meus pais só aceitam se eu fizer Medicina, mas eu ainda não consegui gostar da ideia, então tô aqui vendo se aprendo a gostar”.
Lembro-me bem de uma jovem me contou que estava no cursinho há sete anos e que desejava fazer Geografia, mas o pai exigia que ela fizesse Medicina. Então a história deles era a seguinte: a jovem fazia todos os vestibulares para Geografia, mas dizia para o pai que havia colocado Medicina, então o nome dela saía na lista de aprovação de Geografia, mas não na lista que o pai olhava, e então ambos seguiam como se ela nunca tivesse passado no vestibular.
Eu mal consigo imaginar o sofrimento vivido por essa menina, que já poderia estar graduada em Geografia - o curso dos seus sonhos!
Com isso eu quero contar que uma grande parte do trabalho de Orientação Profissional
não era ajudar os jovens a fazerem uma escolha de curso ou profissão. Muito só precisavam de ajuda para conseguir ADMITIR que já tinham uma escolha, e de força para poder ENFRENTAR aqueles que mais amavam e dizer: “Não posso encarar isso que você quer, pois é algo que não se encaixa em mim”.
E a moral da história é esta pergunta que nunca mais me abandonou: quando foi que criamos tanta idolatria por algumas carreiras (que nem são carreiras tão seguras mais como poderiam ser antigamente) a ponto de ficarmos tentando enfiar escolhas profissionais goelas abaixo?
Quantas provas extras os jovens do mundo de hoje ainda vão ter de suportar, além do próprio vestibular?
Isis Graziele da Silva | CRP 06/142189
Psicóloga e orientadora profissional. Escolheu psicologia porque queria desvendar crimes. Mestre em Psicologia, especialista em Psicologia Jurídica. Tem experiência em consultório e cursinho pré-vestibular. Co-autora de "Pré-vestibular: práticas para psicólogos" e autora de "Porque fazemos selfies".
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