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Eu fui psicóloga em um cursinho pré-vestibular com cerca de dois mil alunos.
Em geral, os adolescentes vão para o cursinho quando terminam o Ensino Médio e não passam no vestibular. E muita gente acredita que o objetivo de todos eles é estudar mais um pouquinho para passar no próximo semestre ou no próximo ano.
Mas o que pouca gente sabe é que, na verdade, muitos adolescentes estão no cursinho simplesmente porque NÃO SABEM o que querem fazer de suas vidas.
Sem contar que também tem adultos no cursinho, pessoas que já se formaram, já trabalharam, e ainda não se encontraram – ou seja, mais gente que não sabe o que quer realmente fazer ou que pensa que se enganou e deseja repensar as escolhas.
Um exemplo disso é um advogado que conheci, na época matriculado no cursinho sem contar para sua esposa, para seus filhos ou para seus pais - pois tinha vergonha de admitir que, apesar de bem-sucedido, não era feliz. Assim, ele se despedia da mulher todos os dias dizendo que ia para o escritório de advocacia do qual era dono para, ao invés disso, assistir aulas de Física de camisa social e gravata.
Esse aluno-advogado-já-adulto veio buscar atendimento para saber se ele devia contar à família sobre a sua situação. A única coisa que ele precisou ouvir foi a pergunta: "Você tem conseguido aproveitar as aulas?". Bastou isso para que ele abaixasse a cabeça ali mesmo e dissesse:
"Voltei a me sentir adolescente. Como quando fui fazer Direito porque era o que os outros queriam que eu fizesse. Nessa altura da minha vida eu resolvi contornar a infelicidade profissional que eu estava sentindo, mas admitir para a minha família tem que fazer parte disso. Eu não consegui enfrentar meus pais naquela época e até hoje estava tentando evitar fazer isso. Mas se eu não fizer, vou ficar aqui só angustiado, pensando que eu vim escondido".
De início, chamava a atenção o fato de que eles faziam vestibulares e mais vestibulares sem qualquer confiança de qual curso desejariam cursar e, em geral, até mudavam a opção de curso de prova em prova. Mas, finalmente, depois de um tempo, fui descobrindo o outro lado da moeda.
Com o andamento dos grupos, alguns alunos começavam a confidenciar: “Sabe o que é... Na verdade, eu sei o que eu gostaria de fazer, mas minha família não aceitaria por nada nesse mundo”, ou então: “Eu quero fazer um curso tão desvalorizado, que tô tentando gostar desses cursos mais famosos”, e até: “Meus pais só aceitam se eu fizer Medicina, mas eu ainda não consegui gostar da ideia, então tô aqui vendo se aprendo a gostar”.
Lembro-me bem de uma jovem me contou que estava no cursinho há sete anos e que desejava fazer Geografia, mas o pai exigia que ela fizesse Medicina. Então a história deles era a seguinte: a jovem fazia todos os vestibulares para Geografia, mas dizia para o pai que havia colocado Medicina, então o nome dela saía na lista de aprovação de Geografia, mas não na lista que o pai olhava, e então ambos seguiam como se ela nunca tivesse passado no vestibular.
Eu mal consigo imaginar o sofrimento vivido por essa menina, que já poderia estar graduada em Geografia - o curso dos seus sonhos!
Com isso eu quero contar que uma grande parte do trabalho de Orientação Profissional
não era ajudar os jovens a fazerem uma escolha de curso ou profissão. Muito só precisavam de ajuda para conseguir ADMITIR que já tinham uma escolha, e de força para poder ENFRENTAR aqueles que mais amavam e dizer: “Não posso encarar isso que você quer, pois é algo que não se encaixa em mim”.
E a moral da história é esta pergunta que nunca mais me abandonou: quando foi que criamos tanta idolatria por algumas carreiras (que nem são carreiras tão seguras mais como poderiam ser antigamente) a ponto de ficarmos tentando enfiar escolhas profissionais goelas abaixo?
Quantas provas extras os jovens do mundo de hoje ainda vão ter de suportar, além do próprio vestibular?